O papel do-sexo e dos hormonios na abordagem clinica a covid 19

Dimorfismo sexual abre hipótese de tratamentos hormonais a pacientes do novo coronavírus

Fonte: https://www2.unesp.br/portal#!/noticia/35814/o-papel-do-sexo-e-dos-hormonios-na-abordagem-clinica-a-covid-19/

A gravidade com que a Covid-19 afeta homens e mulheres é díspar e está expressa na taxa de mortalidade de cada um dos sexos. Este cenário, entretanto, não é exclusivo do novo coronavírus e se repete em diversas outras doenças respiratórias. Segundo pesquisadoras da Unesp e da Universidade de Laval, no Canadá, esse fato sugere que se pesquise a administração de hormônios como tratamento para pacientes da Covid-19. Este é um dos apontamentos do artigo “Let's talk about sex in the context of COVID-19”, publicado no Journal Applied Physiology.

Luciane Gargaglioni é docente do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal no câmpus de Jaboticabal, onde há quase 20 anos pesquisa, entre outros temas, o dimorfismo sexual em doenças respiratórias. Danuzia Marques é egressa da Unesp e atualmente vinculada à Universidade de Laval, no Canadá, onde desenvolve pesquisas sobre influência de hormônios sexuais no processo respiratório.

A revisão publicada em forma de artigo contemplou dezenas de artigos da literatura científica para analisar a influência que os hormônios sexuais exercem nas respostas ao vírus. 

Covid-19 mata mais homens
Assim como no restante do mundo, a Covid-19 vem matando mais homens que mulheres no Estado de São Paulo. Até o último domingo (7), cerca de 58% das 9.145 mortes causadas pelo novo coronavírus foram de homens --em números absolutos, morreram 5.288 homens e 3.857 mulheres em território paulista.

Para contaminar uma célula e se multiplicar no corpo humano, a Covid-19 precisa se ligar a um tipo específico de molécula, a enzima ACE2. A professora Luciane Gargaglioni aponta que o estradiol, principal hormônio sexual feminino, é fundamental na resistência do organismo à Covid-19.

“Já foi observado que este hormônio pode inibir a produção da ACE2 em alguns órgãos específicos, como rins e pulmões, reduzindo a suscetibilidade para o vírus em mulheres na fase pré-menopausa” explica a professora da Unesp.

Na mesma linha, explica a docente, o baixo nível de testosterona parece estar ligado à suscetibilidade a algumas doenças respiratórias como asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, além de doenças cardiovasculares e diabetes, todas enquadradas como de risco para pacientes com Covid-19. Em homens, o nível de testosterona cai quanto mais avançada é a idade, o que dialoga com o fato de os idosos serem o grupo mais afetado pela forma mais grave da doença --os óbitos em São Paulo, por exemplo, estão concentrados em pacientes com 60 anos ou mais, totalizando 73% das mortes.

Danuzia Marques lembra ainda que a asma é mais presente nos homens durante a infância que após a puberdade, porque neste período há um aumento da testosterona. “Esse é mais um caso de que muitos desses hormônios sexuais estão desde sempre modulando nossa sensibilidade às doenças respiratórias”.

No fim do ano passado, a dupla de pesquisadoras recebeu o convite para escrever uma revisão cujo foco estava nas diferenças sexuais no controle da respiração. Em uma revisão que envolveu mais de 300 artigos, as pesquisadoras chegaram à conclusão de que essa diferença entre homens e mulheres está presente em diversas doenças respiratórias --foi este trabalho que deu origem ao estudo focado no novo coronavírus (SARS-Co-2). 

 A pesquisadora brasileira locada no Canadá pondera que, quando se fala em seres humanos, é complicado desvincular outros fatores como condição socioeconômica ou a etnia do índice de mortalidade, por exemplo. Mas Danuzia lembra que existem estudos com variações do SARS em ratos e ratas que, em laboratório, apontaram mortalidades muito maiores no sexo masculino.

Tratamentos
Em um momento em que nenhuma vacina está disponível para o controle da disseminação da Covid-19 e ainda se buscam medicamentos para o tratamento da doença, as pesquisadoras argumentam que os hormônios sexuais devem ser estudados como potencial método terapêutico.

“Acreditamos que o sexo e os níveis hormonais devam ser considerados como um fator para aumentar a eficácia e a segurança do uso de medicamentos e também ajudar a projetar intervenções translacionais eficazes para distúrbios sexualmente dimórficos”, afirma a professora Luciane Gargaglioni, do câmpus de Jaboticabal da Unesp.

“A nossa proposta é que se avalie de formas diferentes homens e mulheres. Quando vamos desenvolver um medicamento, não podemos pensar em apenas um sexo e esperar que funcione da mesma forma. Nosso artigo trouxe a hipótese de um tratamento hormonal específico para cada sexo e ela deve ser estudada. Homens e mulheres são diferentes e o próprio índice de mortalidade mostra isso”, reforça Danuzia.

As pesquisadoras lembram que pesquisas sobre o tema já estão em andamento e citam o trabalho da pesquisadora norte-americana Sharon Nachman, da Stony Brook University, nos Estados Unidos. Esse estudo tem como objetivo avaliar se a reposição com estradiol por sete dias em pacientes com suspeita ou confirmação de COVID-19 pode reduzir a gravidade da doença. A hipótese é de que o estradiol reduziria os sintomas de gravidade em homens adultos e mulheres mais velhas, se administrados antes da intubação.